lunes, 15 de mayo de 2017

Levantamento Camponês de Naxalbari: Breve histórico da luta de libertação do povo indiano




Todado das camaradas do Brasil do jornal A Nova Democracia.

Iniciamos a seguir uma série de publicações por ocasião do cinquentenário do Levantamento Camponês de Naxalbari, na Índia, que deu origem à guerra popular que hoje dirige o Partido Comunista da Índia (Maoísta).

Redação de AND nº 56, junho de 2009. 
A Índia conquistou sua “independência política” do colonialismo inglês apenas em 1947, depois que a administração colonial ficou impossibilitada pelas massivas lutas de libertação, armadas e desarmadas, dos povos que compõem a Índia, Paquistão, Bangladesh e a Caxemira — região conflituosa ainda disputada por Paquistão e Índia.
A colonização inglesa, a princípio pela Companhia das Índias Orientais e depois através do próprio Estado britânico, se valeu da antiga divisão da sociedade em castas, no caso da maioria hindu, e da fragmentação nacional e religiosa entre hindus, muçulmanos, budistas, cristãos, sikhs, gurkhas e outros para conseguir controlar o grande território e a enorme população. Além do pessoal transferido da Inglaterra e outras colônias, os ingleses contaram com a valiosa ajuda de rajás e marajás, membros de uma antiga nobreza que controlavam territórios maiores ou menores e que mantiveram alguns privilégios em troca da submissão de seus súditos aos “sahibs” britânicos.
Os movimentos pela independência levaram a que a Coroa Britânica planejasse uma transferência relativamente pacífica do poder político aos indianos, de maneira que seus interesses imperialistas se mantivessem intocados. A “independência” acordada com o império britânico previu uma divisão instigada pelas diferenças religiosas entre um Paquistão formado por maioria muçulmana e a Índia de maioria hindu e outras minorias como sikhs, etc., por isto mesmo a linha de fronteira, demarcada por um burocrata inglês, chegava ao cúmulo de dividir cidades e até famílias. A consequência foi que logo após a assinatura da “independência” explodiu uma violência generalizada que culminou em grandes massacres entre as três principais correntes, hindus, muçulmanos e sikhs, desencadeando um processo sangrento até os dias atuais.
Jawaharlal Nehru, líder do Congresso Nacional Indiano, partido fundado por intelectuais e a burguesia hindu, assumiu o governo imediatamente depois da saída do vice-rei britânico. Em janeiro de 1948, Mohandas Karanchamd Gandhi, tido pelos nacionalistas como o pai da nação indiana, é assassinado por radicais que pregavam a supremacia hindu sobre toda Índia.

2. O partido comunista e a luta contra o revisionismo kruschovista

Porém, a euforia popular com a independência durou pouco. Logo o povo percebeu que os novos gerentes, desta vez semicolôniais, nem sonhavam em atender os anseios do povo. A cruel divisão em castas continua a vigorar; mais de 700 milhões de pessoas vivem na extrema miséria, apesar de existirem perto de 200 milhões (mais que a população do Brasil) no que eles chamam de classe média, gente assalariada com um “melhor poder de compra”.
Sucessivamente, Nehru se aproximou do revisionista Tito (Iugoslávia), depois caiu sob a influência da Rússia social-imperialista. Hoje, no entanto, a Índia é mais um dos países dominados pelo imperialismo ianque, que explora a abundante força de trabalho e os recursos naturais indianos com especial interesse.
Fundado em 1925, na esteira da Revolução de Outubro na Rússia e dos movimentos de libertação nacional na própria Índia, o Partido Comunista da Índia passou por várias lutas internas, principalmente na década de 60, quando a luta contra o revisionismo moderno, vanguardeada pelos comunistas chineses liderados por Mao Tsetung, ganhava dimensão mundial, destacadamente com a Grande Revolução Cultural Proletária.
Os revisionistas seguiram sua sina. Novo fracionamento deu origem ao PCI (marxista), que rapidamente soube como ninguém se valer do eleitoralismo e hoje governa, em uma frente oportunista, cinco estados indianos, tendo sido responsável por um massacre de camponeses em Nandigram, estado de Bengala Ocidental — governado pelo PCI (marxista) — onde 14 camponeses foram assassinados pela polícia quando protestavam contra a instalação de uma Zona Econômica Especial em março de 2007. Tais zonas são enclaves imperialistas onde as empresas transnacionais podem se instalar com isenção de impostos, abundante força de trabalho barata e quase nenhum direito trabalhista.
Um dos resultados desse massacre foi a perda de apoio popular, expressa nas recém realizadas eleições parlamentares. Dados parciais apontam a tendência de os revisionistas conseguirem apenas 19 cadeiras em contraste com as 44 anteriores.

3. A Fração Vermelha e o caminho revolucionário de Naxalbari

Em dura e inconciliável luta contra o revisionismo kruschovista, a fração vermelha liderada por Charu Mazumdar promove a cisão proletária e reconstitui o partido como Partido Comunista da Índia (Marxista-leninista). Defendendo o Pensamento Mao Tsetung como o marxismo-leninismo da época (ver matéria na Edição 52 de AND), o PCI (ML) cria o Grupo Guerrilheiro do Povo, sua organização armada, e dirige o levantamento camponês na aldeia de Naxalbari, em Bengala Ocidental, que tomou terras dos latifundiários, queimou registros de propriedade, aboliu as dívidas dos camponeses pobres e julgou e executou os principais opressores e usurários.
A repressão que se abateu sobre os naxalitas deixou mais de 10 mil mortos e a desaparição de muitos quadros do PCI (ML), entre os quais o lider Charu Mazundar, assassinado na tortura. Os grupos sobreviventes continuaram atuando, embora sem contato, o que fez com que se criassem organizações independentes que cresceram e desempenharam significativo papel, desenvolvendo durante mais de 30 anos a Guerra Popular. Em 2003, o Centro Comunista Maoista e o Centro Revolucionário Comunista da Índia se unem no Centro Comunista Maoista da Índia (CCMI). Um ano mais tarde, em 21 de setembro de 2004, o CCMI se une ao Partido Comunista da Índia (marxista-leninista) (Guerra Popular)1, formando o Partido Comunista da Índia (Maoista). Sua organização militar unificada passou a se chamar Exército Guerrilheiro Popular de Libertação EGPL.

4. Gloriosa e invencível Guerra Popular

Sempre enfrentando os mais terríveis obstáculos, lutando contra o vento e a maré e através de mil peripécias, a guerra popular na Índia não se deteve um só instante. Nos últimos anos, impulsionada com o grande salto promovido com a fusão que deu origem ao PCI (Maoista), o poder e influência dos naxalitas2cresceram tanto que as classes reacionárias e seus meios de comunicação abandonaram a tática de ignorar a guerrilha. O próprio atual Primeiro-Ministro da Índia, Mammohan Singh chegou a declarar em agosto de 2006 que os maoístas eram o “maior desafio interno para a ‘segurança’ da Índia”. Segundo dados do próprio Ministro do Interior da Índia, Sriprakash Jaiswal, em 2007 os naxalitas realizaram 8.488 ataques a estabelecimentos policiais em 91 distritos de 11 estados.
O reacionário Estado indiano se utiliza de todos os meios de repressão, mas não consegue conter o avanço dos revolucionários indianos. A criação de grupos paramilitares como os Salwa Judum (ver artigo na página 19), a prática de realizar deslocamentos forçados de populações inteiras visando “secar a água para apanhar o peixe”, o confinamento de milhares de pessoas em “aldeias estratégicas” ao estilo aplicado no Vietnã, tudo isso não consegue realizar o sonho das classes dominantes indianas e do imperialismo, que é varrer os naxalitas do mapa. Vale dizer que o exército como instituição ainda não ingressou diretamente na repressão aos revolucionários, mas unidades de elite já participam há algum tempo de ações destinadas a atacar os revolucionários naxalitas.
E não realizam seus intentos porque os maoístas estão profundamente entranhados nas massas mais oprimidas e revolucionárias da Índia. O centro da ação política dos maoístas é entre as castas dos intocáveis (dalits) e dos párias, além das minorias nacionais oprimidas, camponeses, artesãos, enfim, as massas mais oprimidas do país. Seu programa de desenvolver o poder popular já faz com que as massas controlem praticamente o território de 4 estados com milhões de habitantes, constituindo-se fortes bases de apoio para o Partido e seu Exército.
Os êxitos militares dos revolucionários indianos estão sendo acompanhados de um avanço político nas zonas sob seu controle. Nelas houve uma efetiva melhora no nível de vida da população, basicamente camponesa. Isto está fazendo com que certo setor de intelectuais indianos veja com simpatia a guerrilha e se negue a classificar sua luta como imoral ou terrorista, como impõe o Estado e toda contra-propaganda reacionária. Este é o caso da escritora Arundhati Roy (ver artigo na página 19) e do conhecido músico Ravi Shankar, que disse publicamente que os maoístas são “admiráveis”.
Nas cidades, o trabalho dos naxalitas se estende a Delhi, Mumbai, Raipur, Pune, Jammu e outras, onde sua principal atividade é a propaganda revolucionária. Em fevereiro de 2008, em Nayararh, importante cidade do estado de Orissa, um comando naxalita realizou uma audaz ação contra um comissariado de polícia, expropriando 1.069 armas (dados oficiais). O governo não deu detalhes sobre a qualidade das armas, mas os maoístas já fizeram ações com morteiros de 80 milímetros e lança-granadas.

5. Boicote à farsa eleitoral

A Guerra Popular na Índia tem dado grandes dores de cabeça às classes dominantes indianas, dificultando que o país se afirme na posição de potência regional e atue mais como cabeça de ponte dos interesses imperialistas na região.
Em meio a isso, recém se realizaram eleições gerais para o congresso, mais uma farsa para enganar as massas e desviá-las do caminho revolucionário através do canto de sereia das reformas e mudanças através do voto.
Mas, atentas, as duas principais organizações revolucionárias indianas lançaram declarações convocando as massas a repudiar as eleições e reforçar a Guerra Popular.
“Exortamos” as massas patrióticas a aproveitarem esse momento para se organizarem e se prepararem, acima da restrita política de casta, credo, seita, religião e diferenças regionais, e voltarem a sua ira contra as classes dominantes, os defensores deste sistema e dos seus instrumentos de pilhagem e dominação. (…)
Uma Guerra Popular está sendo travada no nosso país liderada pelo PCI (Maoísta), em Dandakaranya e Jharkhand. A resistência das grandes massas deve ser combinada com a defesa desta guerra revolucionária e resolutos passos no sentido da abertura de novas frentes de guerra.” PCI (ML) Naxalbari.
“Nosso programa ficou claro para as pessoas através de várias formas, circulares, declarações na imprensa, entrevistas, folhetos, cartazes, inscrições nos muros, e assim por diante. Nossas equipes fazem apresentações culturais entre os povos convidando-os a compreender a verdadeira essência da chamada democracia parlamentar e convocar-lhes a boicotar as eleições. Iremos realizar esta propaganda até o final da última fase das eleições. Nossa campanha durante as eleições é basicamente uma campanha maciça de propaganda política. (…)
Depois, há o boicote ativo onde nós impedimos que os candidatos realizem suas campanhas nas aldeias e pequenos centros urbanos nos nossos domínios.”  Azad, porta-voz do PCI (Maoísta).
E muitas ações foram realizadas no período eleitoral e também depois dele. Eis algumas, noticiadas pelo monopólio dos meios de comunicação:
16 de abril
Os maoístas atacaram um acampamento da Polícia e uma estação ferroviária, e explodiram vários artefatos.
22 de abril
Ás vésperas do 2º turno das eleições, um trem foi detido em uma estação por mais três horas. A ação ocorreu no distrito de Letehar, norte da Índia e fez parte de um conjunto de manifestações convocadas pelos maoístas na região de Jharkhand e Bihar.
23 de abril
Pelo menos cinco pessoas encarregadas da supervisão das eleições indianas— um juiz, dois seguranças e dois policiais — morreram na explosão de uma bomba na nortista região indiana de Bihar. A participação nas eleições não passa de 55% ao final do 2º turno. Várias ações de sabotagem impedem agentes eleitorais de chegar às seções, principalmente no norte do país.
6 de maio
ataque a bomba mata 6 policiais e 4 colaboradores que viajavam em um trator no distrito de Bastar, região central da Índia.
7 de maio
Centenas de manifestantes enfrentaram a polícia na Caxemira indiana, na realização da quarta votação das eleições parlamentares indianas. As forças de repressão lançaram gás lacrimogêneo contra um grupo de manifestantes que atirava pedras. Os manifestantes gritavam frases contra as eleições e o atual governo.
10 de maio
Ataque a um comboio das forças de repressão formado por três veículos nos quais viajavam 41 militares deixou pelo menos 12 policiais mortos e seis ficaram feridos.
Assim, os revolucionários indianos seguem dando duros golpes no feudalismo, na grande burguesia, no imperialismo e no revisionismo encastelado no Estado, expandindo a Guerra Popular a todo o país, como determinou o último congresso do PCI (Maoista) em 2007 e dando grandes passos na realização do que define seu programa, a revolução de Nova Democracia ininterrupta ao socialismo.

Notas da Redação
1 Errata — na edição 52 de AND, página, nota da redação, publicamos que tanto o PCI (M) como o PCI (ML)(GP) convocaram as massas a não participarem das eleições indianas. O PCI (ML) (GP) não existe mais, como consta no atual artigo.  Na verdade, os partidos que fizeram as declarações são o PCI (M) e o PCI (ML) Naxalbari.
2 Como se denominam os maoístas na Índia.




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